quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Cantares

 


       
       Quando os pássaros chegam e espalham seus trinados, nada os segura. Nem as tempestades, nem os ventos, nem a escuridão de palavras, nem os tsunamis podem impedir os pássaros de cantar.

           Quando eles chegam , meu amor, o sol se faz imprescindível, a luz se faz ferida e as lágrimas inevitáveis.

            Quando eles chegam, meu amor, só a maciez de tuas mãos podem aplacar a minha dor e secar minhas lágrimas.

              Quando a primavera chega, meu amor, todos os poros explodem, todas as células se confrangem, todas as águas salgadas escorrem como rios inundando as terras.

        Quando você chega, minhas faces enrubescem, e eu fico como palhaço, pintado, ridículo, e você nunca vai entender por que eu fico tão vermelha, se não é blush e nem época de carnaval..

             Você me cora, namora, me derrete, me mata de tanto amar e tanto amor...

16/10/09



Rosa Choque




Não vim para a opulência,
Vim para ser livre.

Não vim para a glória,
Vim para ser feliz.

Não vim para ter amarras, 
Vim para amar.

E se por acaso chorei, Foi para mais sorrir
em tempos de paz!

23/10/2009

Terça Tão Triste



Ela lhe perguntara com um olhar intrigante _ por que toda esta frieza? _ assim que ele partiu na direção contrária. A outra engoliu sem seco. Não sabia o que dizer. Atravessaram a Av. Ipiranga. Pegaram a ponte palito em frente à Zero hora. De novo a filha insistiu na pergunta: “por que a frieza? Só depois que atravessaram a ponte, ela conseguiu falar, não antes sem olhar pra ele, já distante na calçada da Av. Ipiranga. Ele também olhou para trás, e por segundos, seus olhares se cruzaram, e ela vislumbrou seu corpo adorado, suas pernas, sua bunda.... E então ela conseguiu responder com aquele nó na garganta em que as palavras saem truncadas... “Terminamos” _ foi a única resposta óbvia, seca e única que lhe saía no momento. E a filha, estupefata, perguntou: Por quê? A dor dela, a menina, era tão  evidente que mais doía na outra ter que dar a explicação. Ela tentara, como uma péssima professora, explicar o motivo. “Era-lhe impossível esconder sua emoção cada vez que o encontrava. Fingir amizade era muito difícil e doloroso.”

E naquela manhã ventosa, em que era absolutamente impossível ele estar ali _ ele devia estar se levantando!!!! ( pelo que ela sabe dos horários óbvios dele...) Ela não conseguiu proferir uma palavra sequer. E apertava com força, contra o ventre, o livro vermelho que ele lhe dera neste ano. Ela ali, dando de cara com ele, iluminando sua manhã de terça-tão-triste.

Presente dos céus? Com certeza. Ela não consegue esquecer seus olhos, seu sorriso, seus dedos no seu rosto... ela queria mesmo era gravar aqueles poucos segundos; e ficaram gravados com certeza. Como certo ela teve naquele momento de que seria impossível fugir dele! E a cada gesto dele em seu rosto, ela o agradecia em segredo, do fundo de seu coração _ ele está me tocando, e sem eu pedir!

Presente dos céus, com certeza!

Por alguns segundos, o mundo parou. O vento cessou. E todos os ruídos da avenida emudeceram. Só restava a foto dele a sua frente. Mais nada. Nem as palavras que foram proferidas ela lembra. Só tinha, e conseguia ter, um olhar triste para ele. O homem da sua vida. O seu único homem. E em sua mente só desfilavam palavras desconexas como: como posso amar tanto uma pessoa assim?

Talvez ela estivesse enganada, mas em 26 anos, acha que foi a primeira vez que se encontraram por acaso. Não. A primeira vez foi em 83 ou 84 numa parada de ônibus da Av. Salgado Filho, em frente à antiga CRT. Ali, ele com um bebê no colo, ela mentalmente dissera adeus a ele. 

Hoje ela entende que assim como um filho não prende ninguém, também não afasta um amor verdadeiro. Ou seja, nada acaba com um amor de verdade.

O que ela só quer hoje, é que ele aceite o seu amor e a sua espera, e que não se sinta culpado por nada. A culpada é só ela por amá-lo absolutamente.

Naquela mesma manhã, ela sentara com a filha naquele lugar do Mercado Público, onde ela impreterivelmente senta às sextas-feiras à espera que ele passe por ali, e ela ficou olhando os transeuntes, enquanto o garçon não trazia a cerveja, e imaginou ele passando por ali em direção à Banca 38..

Tudo é sempre um sonho... mesmo que seja numa terça-tão-triste.

27.11.2002.

Vie En Rose


Nas tardes de sábado, ele chega, larga os presentes sobre a mesa da sala, lava as mãos, sempre lava as mãos quando chega da rua, servem-se de vinho, geralmente tinto, e conversam sobre amenidades, botam em dia o assunto pela falta de tempo, oportunidade, coisa e tal.  

         Ficam no sofá, de mãos dadas, cabeça no ombro, olhos nos olhos, mãos impacientes, corpo reteso de tantas vontades subtraídas. E a vida, nas tardes de sábado, parece cor-de-rosa, tudo parece estar no seu lugar, todos os ânimos acalmados, todos cedês enfileirados, a vida ordenada ao lado dele

           Há 23 anos, eles estavam num quarto de criança, se beijavam, o silêncio imperava na casa. A criança de alguns meses dormitava tranquila... Eram dois corações disparados, dois corpos sedentos por estarem juntos, por ficarem assim por toda uma vida.

               Hoje, ano 2000, eles  estão numa sala, o silêncio impera novamente, na tevê o som de Billie Holiday, a criança de 23 anos dormita no sofá da sala, e eles se beijam. Como naquela noite, são dois corações disparados e separados pelos mesmo elos, dois corpos sedentos; uma sede talvez mais intensificada pela maturidade, mas eles estão ali; a cena se repete. Quantas vezes se repetiu por trocentos anos? Não se sabe. Mas tem-se uma ideia.

             Mas ambos sabem, que por baixo de toda essa calmaria, um vulcão pode entrar em erupção a qualquer momento. Basta chegar o dia certo numa hora determinada. Basta o amor dele se expressar para a vie en rose se transformar na mais rubra paixão manchando o sofá, escorrendo até o tapete, chegando à porta, alagando o jardim e tingindo a calçada, os parlelepípedos da Glória, maculando tudo do carmim mais intenso. E depois...só muito depois, saciados e exauridos, a vie en rose fazer morada novamente...

         Às vezes, nem falar é preciso; basta olhar pros cabelos que começam a pratear, a ficarem escassos, aquele rosto adorado por tanto tempo, tornando-se, a cada ano que passa, cada vez mais envelhecido, com algumas rugas, marcas e vincos que se acentuam. Decididamente, não é esta a beleza que ela ama neste homem.

            Há 23 anos, ele saiu e antes de cruzar a porta do quarto, ele olhou a criança amoroso, intrigado, afinal, ele nunca tinha tido filhos.

          Hoje, ao cruzar a porta da frente, ele apagou a luz da mesinha da sala, beijou a testa da criança de 23 anos, e  saiu, mais uma vez... sem ter a mínima ideia sobre o futuro... Um gesto  doce, assim como foram todos os gestos dele por estas duas décadas.

              A propósito, ele odeia Piaf e suas “la vie en rose”...

quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Dona Ninguém


        Depois de estar decidida a me isolar neste festejos natalinos, expurgar os filhos de casa, e recusar todo e qualquer convite mais tentador que me impelisse a sair do ninho, resolvi ligar pra uma amiga que não via  há tempos e participei de minha decisão a ela _ disse que não queria ver ninguém.


        Intempestivamente. a convidei  pra vir dividir comigo esta noite natalina. Por que eu, perguntou ela.  Eu por acaso sou ninguém?


       Só pude concordar; era óbvio demais!


       Pois "Dona Ninguém" veio de bicy. E veio com tudo.


      Tive direito a um presente, trança de frutas cristalizadas, mimos para o meu filho, champanhe e um convite inquestionável _ Ver o dia surgir e pedalar até o Gasômetro!


      Topei.


     Mas perto da meia-noite, a desgraça se abateu sobre minha gata Billie H.*  _ um espelho enorme despencou e cortes profundos e sangue abateram-se sobre a assustada Billie H..

 

    Dona Ninguém, quando eu atarantada, tratou de varrer e juntar os cacos, pegou na feiticeira decidida a eliminar qualquer vestígio do espelho sobre o carpete, improvisou, como boa enfermeira, um tapa-corte feito de tampinha de garrafa que acabou sendo um estorvo escorregadio para a pobre Billie.


      Quando o sono me derrubou sobre o sofá, ela se encarregou de ser a secretária, atendendo todos os telefonemas, abrindo a porta a quem chegasse, transmitindo recados...

 

      Enfim, Dona Ninguém se fez. Absolutamente imprescindível.


      Se a intenção dela era levantar meu neurótico-astral-depressivo, conseguiu!


      Eu, com certeza, não o faria melhor. Um café revigorante e fomos ver o sol nascer no Gasômetro. 

 

                                                             1999

quarta-feira, 12 de agosto de 2020

Flor



         Flor era a sua favorita. Depois que ela partiu, Flor não saía mais do portão esperando sua dona retornar. Seu olhar triste dizia que sua dona partira de uma maneira estúpida, repentina, sem lágrimas e sem choro, sem despedidas. E deixou muitas lágrimas, muito aperto no peito e muitas culpas: eu podia ter feito isso, e isso e aquilo, mas ela nem deu tempo, se foi, rumo  encontrar seu amor noutra dimensão... aquele amor que tinha começado aos 4 anos de idade...

        Flor continua ali, à espera de sua dona, sua rainha que lhe dava na boca todas as guloseimas que a vida podia lhe oferecer, nessa breve vida de cão.

        Flor não entende por que ela não voltou mais... Flor tem saudade da sua risada, do seu humor sarcástico, da sua bondade em sempre lhe dar um naco do que estava a comer. Flor não tem mais como lhe aquecer os pés nas noites frias do Rio.

       Flor acha que ela foi ali, na Padaria da esquina, no Meier, e já volta com uma empada de camarão gostosa... mas minha dona tá demorando tanto...

       Lia não voltou. Não volta nunca mais. Mas deixou aqui seu amor pelos livros, pelas orações que me dava e pelo samba de Bezerra da Silva.

       Sempre que vinha à minha casa, eu a esperava ao som de Bezerra da Silva e ela adentrava a casa, já dançando na pura alegria...

      Um dia perguntei a ela: promete que nunca vai me deixar? Ela segurou minha mão, deu uma risada e disse: “um dia eu vou ter que ir”. 

      Nunca pensei que fosse tão cedo... 

 


 

sábado, 1 de agosto de 2020

Borgueteando & Borbeando







Coisas  que que me trazem saudade do Sul...

milongas desafiadoras do Borguetti,

aquela viola maravilhosa do Yamandu,

a doce música do Ellwanger,

a inesquecível Pealo de Sangue

na voz de Sosa,

navegas, navegas com Elis e Raul,

guerreiro do bairro da Gloria,

e entre no ar o maestro Borbeano ao som do Raul.

Eita saudade dos pampas nessa hora...



1/8/2020

Cantares

                 Quando os pássaros chegam e espalham seus trinados, nada os segura. Nem as tempestades, nem os ventos, nem a escuridão de...